PROFISSÃO: ARTISTA

Artistas campineiros têm a arte como ofício e meio de sustento

O Caderno C conversou com artista de Campinas que atuam no cenário da música, da literatura e do teatro

Aline Guevara/ [email protected]
02/05/2024 às 08:45.
Atualizado em 02/05/2024 às 08:45
José Guilherme de Souza Tardelli, mais conhecido no meio musical como Zé Guilherme (ao centro), começou a tocar violão aos 14 anos de idade, se aperfeiçoou, já integrou três conjuntos de samba e tocou em bares e casas de show em Campinas e várias outras cidades (Arquivo pessoal)

José Guilherme de Souza Tardelli, mais conhecido no meio musical como Zé Guilherme (ao centro), começou a tocar violão aos 14 anos de idade, se aperfeiçoou, já integrou três conjuntos de samba e tocou em bares e casas de show em Campinas e várias outras cidades (Arquivo pessoal)

Virou até meme a clássica frase que muito artista ouve ao responder o questionamento sobre o que ele faz: “Muito legal, mas você trabalha com o quê?” Há quem pense que arte é hobby ou, então, que quem se dedica a ela é desocupado. Um pensamento que, segundo a diretora teatral e pesquisadora Tiche Vianna, tem uma origem complexa – desde a noção de que trabalho e satisfação não andam juntos até a desvalorização crescente do fazer artístico com liberdade de expressão, incentivado por governos e até instituições religiosas.

Ocorre que ao não enxergar o artista também como trabalhador, há a precarização da atividade e exploração daqueles que tentam exercê-la. “A arte é um meio de expressão que existe dentro de todo ser humano. É humana, essencialmente. Desde uma escultura a algo imaterial como um espetáculo ou um show musical, a arte pressupõe proporcionar à sociedade modos de interação com a vida que estimulam nela criatividade, inteligência, empatia, alívio de tensão. A nossa sociedade não consegue viver sem arte. Costumo dizer que as artes são a medicina da alma”, analisa Tiche, apontando parte da importância da arte.

A diretora, que trabalha na construção do território cultural do Teatro Barracão (um espaço de promoção de artes dentro do bairro Vila Santa Isabel), conta ser sortuda por ter cruzado o caminho da arte ainda jovem, quando começou a estudar atuação há 45 anos. Por alguns anos, ela precisou conciliar o trabalho como atriz com outras profissões, como vendedora, para se sustentar. Mas quando começou a dar aulas de atuação e iniciou pesquisas de linguagem teatral, não saiu mais da área.

Hoje, Tiche faz uma gestão compartilhada do Teatro Barracão e trabalha com artistas experientes e iniciantes, em projetos voltados para que a comunidade campineira compreenda a arte como algo que faz parte de sua vida. “Para novamente dar valor e reconhecer isso como um trabalho. É um longo percurso para um artista mostrar o seu trabalho e começar a ganhar reconhecimento em retorno financeiro. Também é um percurso doloroso para quem começa por causa da discriminação. Tem quem passe a vida frustrado sem descobrir ou realizar sua vocação artística porque dizemos que vida de artista não é vida”, aponta a diretora teatral.

A diretora teatral Tiche Vianna acredita que, ao não enxergar o artista como trabalhador, a sociedade provoca a precarização da atividade e a desvalorização de quem exerce profissões na área cultural (Arquivo pessoal)

A diretora teatral Tiche Vianna acredita que, ao não enxergar o artista como trabalhador, a sociedade provoca a precarização da atividade e a desvalorização de quem exerce profissões na área cultural (Arquivo pessoal)

IMPORTÂNCIA DOS INCENTIVOS PÚBLICOS

Quem ignorou esse tipo de comentário para se entregar a uma carreira de escritor foi Victor Costa. Com formação em Filosofia e roteiro audiovisual, sempre trabalhou com a escrita, em filmes, séries, peças de teatro, comunicação corporativa e materiais publicitários. Mas apor meio das redes sociais, ele deu vazão a uma produção mais autoral. Em seus perfis, começou a postar textos que deram origem ao seu primeiro livro, chamado “Encurtamentos”. Nele, o autor revela-se através de uma prosa poética – intercalada com fotografias de outras artistas – bastante pessoal produzida ao longo dos últimos 10 anos. A obra foi lançada na 21ª Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), em 2023, com apoio do edital do Fundo de Investimentos Culturais de Campinas (FICC).

“Foi ótimo ter sido premiado na FICC. Não fosse isso, eu não conseguiria lançar o livro. O dinheiro que eu ganhei cobriu os custos de criação e publicação de 500 exemplares. Consegui pagar uma equipe com capista, diagramador, editor, revisor e impressões, enfim todos os elementos de uma cadeia produtiva editorial.” Victor explica que conseguiu cobrir os custos com o incentivo e pagar uma parte para ele mesmo como autor. “Foi importante e pontual. Mas o valor não me possibilita continuar escrevendo. Então, preciso me organizar de outras maneiras”. Segundo o escritor, editais como a FICC dão conta de criar uma obra, seja ela um livro, um filme, uma peça, mas nem sempre de fazê-la circular.

“Artistas que estão iniciando, como eu, com esses prêmios de editais, têm condições de fazer isso profissionalmente”, afirma. Victor hoje é o principal vetor na divulgação e comercialização de seus livros, mas, pelo menos no momento, as vendas estão longe de darem a ele um sustento financeiro. O trabalho como comunicador em empresas ainda é sua principal fonte de renda. “É possível ser remunerado também por atuações, além de escrever e vender livros. Podemos participar de eventos, palestras, mesas de discussões, dar oficinas de criação”, exemplifica Victor, que está buscando esse caminho.

NO EQUILÍBRIO MUSICAL

José Guilherme de Souza Tardelli, mais conhecido no meio musical como Zé Guilherme, entrou em contato com a música há 54 anos, quando morava no bairro Vila Industrial, em Campinas. “Aos 14 anos, ganhei um violão de presente de minha mãe e iniciei o aprendizado com o saudoso Mestre João Batista, vulgo João Caveira. Como eu já queria tocar e cantar os sambas da época, desenvolvi uma batida de samba no violão e comecei a tirar as músicas de ouvido. E lá fomos eu, meu professor e outros amigos músicos participar de alguns encontros em bares”, lembra. Ao longo da vida, integrou os grupos Acadêmicos do Samba, Raízes do Samba e Lá Se Vão Meus Anéis.

Cantor e violonista no ambiente artístico, ele conta que não pôde se dedicar somente à música. Ele casou com 21 anos e, aos 23, já tinha dois filhos gêmeos. “Sempre conciliei dois trabalhos, também sou químico industrial, pois no meu caso em particular, nos finais de semana sempre recebia um extra pelas apresentações”.

Zé Guilherme entende que, somente como músico, ele teria uma vida financeira difícil. “Tenho vários amigos músicos que sempre viveram de música e estes tocam ou cantam na noite, dão aulas de violão de cavaquinho, de banjo, de canto, fazem arranjos musicais, compõem, entre outras coisas. Não é fácil e como em outras profissões, precisam dar duro para ganhar a vida”, explica. Ele lembra que antigamente pensava em viver só de música, mas preferiu se dedicar também a outros estudos e atividades.

Com formação em Filosofia e roteiro audiovisual, Victor Costa alia a profissão de escritor com atividades em filmes, séries, peças de teatro, comunicação corporativa e materiais publicitários (Arquivo pessoal)

Com formação em Filosofia e roteiro audiovisual, Victor Costa alia a profissão de escritor com atividades em filmes, séries, peças de teatro, comunicação corporativa e materiais publicitários (Arquivo pessoal)

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